sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Carta «Que futuro para a Europa?»


Que futuro para a Europa?

Reafirmar o projecto europeu como construção de uma comunidade de valores.

Uma carta aberta do Conselho Europeu das Igrejas dirigida às Igrejas e Organizações parceiras na Europa e um convite ao diálogo e consulta.

Resumo

Há quinze anos, a histórica Charta Oecumenica, juntou as Igrejas dcharta Conferência Europeia das Igrejas (CEC/KEK) e a CCEE, num claro pronunciamento de apoio ao projecto Europeu. Nesse texto declarava-se que: “sem valores comuns, a unidade não pode perdurar.” Hoje, menos de uma geração passada, esta chamada aos valores comuns e à unidade parece cada vez mais distante e rara nas sociedades Europeias. A desintegração politica e económica parece ser agora a norma. Os Europeus estão a perder a confiança no projecto Europeu, a sua descrença nos políticos e nas estruturas que eles servem é crescente, e as políticas estão reduzidas a interesses nacionais.

Nesta carta aberta, a CEC regressa a esta questão fundamental dos valores comuns e à forma como eles são expressos na Europa de hoje. A existência e o florescimento da União Europeia são questões fundamentais nesta discussão, mas também queremos olhar para além delas. O texto pretende reflectir sobre o contexto geral do desenvolvimento Europeu e nas suas perspectivas históricas. Leva em conta o que a Europa já consegui atingir, especialmente aquelas realizações que estão para além da cooperação económica e do mercado comum. Isto inclui, apoio a mecanismos de ajuda solidária, a livre circulação no espaço do Acordo de Schengen, e o programa Erasmus de intercâmbio de estudantes. Simultaneamente, o texto levanta preocupações com respeito às crises que se vivem na Europa, hoje, que são múltiplas e que estão interligadas. O influxo dos emigrantes e refugiados, os conflitos violentos e os ataques terroristas, a crise económica e o crescimento do Eurocepticismo, tudo isso ameaça o projecto Europeu e o desenvolvimento de valores comuns. Como forma de resposta, esta carta aberta elabora estas questões numa perspectiva teológica, incluindo uma reflexão acerca da Koinonia e Diaconia, e encoraja as Igrejas a assumirem uma contribuição positiva na construção da Europa como uma casa comum.

Avaliando os desafios mais frequentes como parte dos nossos esforços de preparação da próxima Assembleia Geral da CEC, que terá lugar em 2018, o Comité Central da CEC:

- Envia esta carta aberta às Igrejas da Europa acerca da situação do nosso Continente, e que sublinha a sua visão da Europa em relação à União Europeia e partilha as suas preocupações acerca do futuro deste projecto histórico nas circunstâncias presentes;

- Reafirma a sua compreensão da UE como uma comunidade de valores que dá continuidade à dignidade humana, à paz, à reconciliação, justiça, ao papel da lei, da democracia, do respeito pelos direitos humanos, solidariedade e sustentabilidade;

- Encoraja as Igrejas Membro da CEC e todas as Igrejas da Europa a que se esforcem por tornar mais públicas as virtudes Cristãs, como o respeito pelos outros, a solidariedade, a diaconia e a construção de uma comunidade mais visível aos olhos da vida pública;

- Convida as Igrejas da Europa a discutirem muito intensamente o futuro do nosso continente, o papel da EU e a nossa visão acerca da partilha dos valores;

- Convida as Igrejas Membro da CEC e organizações parceiras a reagir a esta carta levando em consideração as situações específicas das diferentes áreas do continente, e assim contribuindo para o processo consultivo e participativo que conduzirá à próxima Assembleia do CEI.

I. Introdução

“Com base na nossa fé cristã, trabalhamos na direcção de uma Europa mais humana e socialmente mais consciente, na qual os direitos humanos e os valores básicos da paz, justiça, liberdade, tolerância, participação e solidariedade prevaleçam” - Charta Oecumenica

Em 2001, as Igrejas na Europa, juntas e de forma muito forte, declararam na Charta Oecumenica o seu suporte ao processo que destinava a Europa a aproximar-se. As Igrejas no mesmo documento declaravam que “sem valores comuns, a união não pode permanecer”(1). Agora, 15 anos depois, encontramo-nos numa situação em que cada vez mais partidos e grupos dão mais voz contra a integração política económica no nosso continente. O que parecia uma posição lógica há 15 anos, parece menos evidente hoje. Por outro lado, notamos um conjunto cada vez maior de opiniões que perderam a fé nas promessas de uma Europa unida, que não tem confiança nas elites políticas, e que gostaria de renacionalizar as politicas.

Neste documento, a CEC faz um esforço para analisar os recentes desenvolvimentos na Europa em relação à questão de que é como estas vozes podem afectar os valores básicos. O foco será na União Europeia, e nos grandes desafios que hoje a U E enfrenta. Uma imagem mais alargada da Europa como um todo, que inclui tanto a EU como os países fora da União, também será levada em consideração. A fragmentação da Europa está a tornar-se um desafio muito sério para este continente.

Neste momento histórico a União Europeia, que cobre a maior parte do continente e é responsável pelo desenvolvimento que tem um impacto muito considerável noutras partes deste mesmo continente, encontra-se numa encruzilhada. Temos que trabalhar em conjunto para adoptar aesperança e cultivar soluções construtivas para os nossos problemas comuns. Esta carta aberta é um convite a que todos se juntem no processo de delinear uma nova visão para a Europa – uma casa para todos, construída no passado e olhando para o futuro com esperança renovada.

II – Contexto

“ O respeito pela dignidade humana, pela paz, pela liberdade, tolerância, participação e solidariedade devem ser mantidos em tempos de mudança.”

Os problemas levantados por uma globalização cada vez maior e por um mundo cada vez mais interdependente, necessitam abordagens mais globais e internacionais mais eficazes. As mudanças climáticas e a poluição, por exemplo, não obedecem a fronteiras. O crime internacional e o terrorismo necessitam de resposta internacionais. Os problemas económicos globais necessitam de soluções globais coordenadas. Está claro que individualmente os países são menos eficazes na abordagem dos seus problemas quendo agem por si mesmos, do que quando se coordenam com outros países. Necessitam de parcerias e de redes que amplifiquem as suas vozes e fortaleçam a sua influência.

Mais e mais pessoas discordam com a visão de que os assuntos globais podem ser abordados através de meios globais. Defendem o facto de que apenas pequenos grupos de pessoas têm tirado benefícios da globalização e que a maioria da população enfrenta o peso das consequências negativas deste processo. Em quase todos os lugares no mundo, a globalização tem sido acompanhada por crescentes desigualdades e erosão das perspectivas das classes sociais médias e baixas. Por outro lado, muitos sentem que são objecto das forças globais e que não são capazes de controlar as ameaças às suas identidades. Por isso, não é surpreendente que o ideal de independência soberana retém – e mesmo volta a ganhar – um novo apelo. Muitas pessoas suspeitam da globalização e acabam por ter a visão de que aqueles que defendem a integração económica e politica, pertencem às elites que querem promover as suas próprias agendas negligenciando as agendas dos povos. Como consequência disto, assistimos a uma crescente enfase nas identidades nacionais, na soberania, e na renacionalização das políticas. Uma questão chave neste contexto é saber de que forma a necessidade obvia da cooperação internacional e de politicas conjuntas, podem ser reconciliadas com os legítimos desejos que tantas pessoas de possuir e controlar as politicas que afetam as suas vidas diárias.

É óbvio que nas Igrejas e entre as Igrejas existem diferentes opiniões acerca dos detalhes das questões políticas e de como nos podemos organizar na Europa. Também nas grandes causas de fundo, como por exemplo permanecer ou deixar a União Europeia, os Cristãos encontram-se a si mesmos em posições diferentes. Estas diferenças são perfeitamente legítimas.

Para a Conferencia Europeia das Igrejas (CEI) a questão chave é sabem como ter a certeza de que os valores fundamentais que devem guiar os processos políticos do nosso continente – o respeito pela dignidade humana, paz, justiça, liberdade, tolerância, participação, solidariedade e sustentabilidade – podem ser mantidos em tempos de mudança. O CEI defende que não se podem fazer compromissos que ponham em causa estes valores básicos. Mesmo que as escolhas políticas possam ser diferentes, a unidade na Europa está enraizada nestes valores.

III – Perspectiva Histórica

“Orar por, sonhar por, e proclamar a possibilidade de um caminho melhor”

Depois da Segunda Guerra Mundial, o nosso continente estava a tentar recuperar de múltiplas crises. O racionamento alimentar era endémico, vastas multidões deslocadas – não apenas prisioneiros de guerra e vítimas dos campos de concentração – procuravam encontrar o seu caminho para casa, para se reunirem com as suas famílias, ou encontrar uma nova casa, porque a que possuíam antes da Guerra já não existia. Enormes e dispendiosas reconstruções eram necessárias na maioria das grandes cidades Europeias. Virtualmente todas as economias nacionais estavam com necessidade de resgate financeiro. Apenas a Alemanha tinha anulada metade da sua divida nacional. Pouco depois da Guerra, o continente estava dividido por linhas ideológicas, Leste e Ocidente, e desenvolveu-se a Guerra Fria.

Foi nesta atmosfera febril da primeira parte do século vinte que um pequeno grupo de cristãos devotos de várias nações se reuniram e tiveram a coragem de orar por, sonhar por, e proclamar a possibilidade de um caminho melhor – um caminho em que os diversos povos da Europa pudessem viver e prosperar juntos em paz. Esta esperança só poderia era alcançada se os povos e as nações estivessem preparados para aceitar os valores comuns que emergiam da cultura, da religião, da herança humanista da Europa; Valores que também são o coração da mensagem do Evangelho. Amar os inimigos, perdoar aos outros como somos perdoados, ser solidários com os pobres e com os inimigos, e com os nossos vizinhos. É para esta herança que nos voltamos na forma como continuamos os nossos esforços de reconciliação e solidariedade na Europa de hoje.

Então, quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros Francês, Robert Schuman, fez a sua famosa declaração de 9 de Maio de 1950 a favor da cooperação Europeia, recebeu a resposta positiva do Chanceler Alemão Konrad Adenauer, do Primeiro-ministro Italiano Alcide de Gasperi, do Ministro dos Negócios Estrangeiros Belga Paul Henri Spaak e muitos outros. No centro estava uma mensagem de perdão em nome da França e a oferta de um ramo de oliveira à Alemanha. Esta foi a forma como uma nova entidade multi-nacional queria conduzir os negócios da Europa na qual as duas nações há muito protagonistas queriam estar lado a lado como parceiros iguais. Este modelo original continua a lembrar-nos o poder do diálogo na capacidade de resolver tensões.

A Comunidade do Carvão e do Aço foi estabelecida em 1951 e aproximou estes dois sectores que antes eram inimigos, tornando assim impossível o armamento clandestino. Esta Comunidade inicial foi transformada primeiro na Comunidade Económica Europeia (1957) e mais tarde na União Europeia (1993). O núcleo inicial de seis Estados Membro, haveria de ser alargado com outros países.(2) As instituições e as estruturas originalmente idealizadas para seis nações, foram revistas em tratados ocasionais que adaptaram os Tratados de Roma (1957), Maastricht (1993) e Lisboa (2007). Estas adaptações serviram para conter as discordâncias entre as nações nas salas de negociações, para as manter afastadas de campos de batalha e para mostrarem respeito pelo Estado de Direito, pela democracia e pelos direitos humanos em todo o continente. Tudo isto aconteceu no contexto de uma mútua dependência entre a EU e o Conselho da Europa, que proporciona entre outras coisas actividades subjacentes da União em diversas áreas. O Conselho da Europa também oferece plataformas de cooperação e partilha num espaço geográfico muito mais alargado, que proporciona uma imagem muito mais ampla da Europa que a UE. É essencial para a UE a cooperação entre o Conselho da Europa e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo.

IV - Coisas alcançadas

“O projecto Europeu, nas suas várias manifestações, permanece um exemplo do que pode ser feito através da reconciliação, estabilidade e prosperidade.”

Na história da Europa, pessoas do nosso continente têm tido experiencias devastadoras com ideologias que clamam por uma definição clara de cultura, de etnia, de religião e de pseudo-religião que sirvam para todos. Então, a unificação da maior parte da Europa em paz e liberdade desde a Segunda Guerra Mundial e pela primeira vez desde a Idade Média, é um acontecimento de alcance histórico. Também na área dos diretos humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a Declaração Social Europeia e a Declaração dos Direitos Fundamentais da EU são alicerces da Europa. O projecto Europeu, nas suas várias manifestações, permanece um exemplo do que pode ser feito através da reconciliação, estabilidade e prosperidade.

A União Europeia com os seus valores dominantes, enquadramento na cooperação e acção comuns foi um fator chave no controlo dos regimes políticos não-democráticos e totalitários, que governaram uma parte substancial do século XX nos países do Leste e do Sul da Europa. A EU também foi um fator chave na integração dos países destas partes do continente num novo modelo de colaboração e partilha.

No seu próprio território, a UE promoveu a solidariedade entre as regiões ricas e pobres através da coesão das políticas e dos fundos de acompanhamento (como por exemplo o Fundo Social Europeu). Numerosos instrumentos financeiros da UE ajudaram no desenvolvimento das regiões mais pobres e mais desfavorecidas. A solidariedade entre as áreas urbanas e rurais foi promovida pela Politica Agrícola Comum (PAC), por muito imperfeito que o PAC possa ser. A aquisição social da U E no campo da igualdade entre homens e mulheres, saúde, e segurança no trabalho, segurança social na mobilidade dos trabalhadores dentro do espaço da UE, é muito considerável.

A geminação das cidades através da UE e os programas de intercâmbios entre estudantes como o Erasmus, assim como o livre movimento de pessoas no espaço Schengen, estão entre os sucessos mais respeitáveis da União. Universidades dos 28 países da União, incluindo também a Islândia, a Noruega, o Liechtenstein, assim como os países candidatos do FYROMe a Turquia, participam no Programa Erasmus. Desde o início de 1987 este Programa apoia mais de três milhões de estudantes. O Acordo de Schengen inclui os estados membro a EU (excepto Bulgária, Croácia, Chipre, Irlanda, Roménia e o Reino Unido) e Estados não membros como a Islândia, Noruega, Suiça e o Liechtenstein. Projetos como este uniram os povos na participação conjunta, promoveram o entendimento mútuo e deram sentido à cooperação Europeia ao nível das suas raízes.

Numa perspectiva global, a UE administra o maior orçamento mundial de emergência humanitária (ECHO), enquanto que os seus Estados Membro são os maiores responsáveis na área da cooperação para o desenvolvimento (particularmente através de orçamentos dedicados ao desenvolvimento e do Fundo Europeu para o Desenvolvimento). Quando às mudanças climáticas e protecção da natureza a UE tem um papel de liderança. Finalmente, mas não menos importante a EU lidera várias operações de paz em diferentes partes do mundo.

Na generalidade a UE aceita lidar com os contextos institucionais em que os problemas que dizem respeito aos cidadãos não podem ser resolvidos pelos próprios Estados Membro. Isto acontece com frequência num espírito que se está consciente do facto de que conseguimos mais agindo em conjunto do que agindo individualmente. Através do diálogo regular e transparente com estas instituições, trabalhamos para enfrentar os desafios que democrática e abertamente se colocam à Europa.

V – A Europa numa encruzilhada: Re-imaginar a Europa e reafirmar os valores fundamentais

“Estamos numa encruzilhada da história da Europa. O futuro próximo do desenvolvimento comum das políticas da UE baseadas na interdependência e na reconciliação da diversidade são prementes”

Estabelecendo a União Europeia como uma entidade supranacional, os fundadores da EU desejavam ultrapassar as armadilhas do nacionalismo que duas vezes em meio século conduziram a Europa á guerra desastrosa. A integração da Europa, como União Europeia, era um projecto visionário. Queria ir para além dos estados reconciliados e aspirava a ser a união do povos da Europa à volta da noção de “comunidade de valores partilhados”. Em 1990, o então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, apelou às Igrejas e às religiões para que contribuíssem activamente para criar o “coração e a alma da Europa”. Nos documentos mais recentes tal como a Carta dos Direitos Fundamentais (editada em 2000) e no Tratado de Lisboa (2009), os valores comuns partilhados em que a União é construída, voltam a ser enfatizados.

No entanto, um pouco mais tarde, os líderes políticos da UE e muitos cidadãos deixaram de afirmar, e entraram em contradição com os valores que orientavam a UE. Para muitos a EU tornou-se um mecanismo, uma instituição tecnocrata, um projecto burocrático, e longe das preocupações diárias dos cidadãos. Algo impenetrável, pesada, e dispendiosa. O apoio popular à EU rapidamente declinou. Isto foi agravado quando os líderes nacionais em inúmeras ocasiões se referiram às instituições da UE como sendo responsáveis por tudo o que estava a correr mal, e atribuíam o fracasso da UE a tudo o que estava a correr bem. Se existem políticas conjuntas feitas na EU hoje em dia, parece que são muito menos baseadas numa visão conjunta e muito mais numa simples análise de custo-benefício do Estados Membro individualmente.

Muitos dos valores que parecem ter contribuído para formular a Europa nos últimos sessenta anos mais ou menos, como a solidariedade com os fracos e o respeito pelos direitos humanos, parecem ter-se evaporado sob a pressão das múltiplas crises. As Igrejas na Europa devem procurar sustentar estes valores com bases indispensáveis para a justiça e para a paz no nosso continente.

Encontramo-nos numa encruzilhada da história da Europa. O futuro próximo do desenvolvimento de políticas comuns da UE baseadas na interdependência e na diversidade reconciliada está em jogo. Esta ideia, com o passar dos anos, contribuiu para uma Europa que viveu em paz, e que procura um crescente grau de desenvolvimento económico, integração e justiça social. 

Fazendo face a esta situação, necessitamos de re-imaginar a Europa como um todo e a UE em particular, reafirmar os valores fundamentais deste projecto histórico e reavalia-los em vista dos desenvolvimentos que já se verificaram nos últimos sessenta anos. Quais são os valores que devem estar no centro da identidade Europeia? Como é que devemos tratar as tensões que existem entre os desejos de soberania e homogeneidade de um lado, e a cooperação e diversidade cultural Europeia por outro lado? O que é que isto significa para o futuro da União Europeia e para o futuro do continente como um todo? Que tipo de Europeia e de União Europeia são necessárias para vivermos os valores comuns com os quais as Igrejas se identificam na Charta Oecumenica?

VI – Crise múltipla e interativa

A Europa em geral e a União Europeia em particular estão a enfrentar múltiplas crises. Algumas são globais (como a crise económica) e outras de natureza geográfica (como as guerras na Síria e no Iraque, e o “conflito de gelo” na Ucrânia de Leste). Outras crises são devidas a temas que estão mais diretamente ligadas com as políticas da UE (como a crise do Euro) e com a falta de politicas da EU directamente relacionadas com os refugiados que desejam entrar na UE. Estas crises que ocorrem simultaneamente compactam o continente de forma dramática. Pela primeira vez em décadas, alguns dos objectivos e princípios alcançados pela UE estão ameaçados. Mais do que levantar desafios, a UE está a desfazer-se sob diversas tensões. Com uma sensação de crise crescente, um e um crescimento de desconfiança, a EU é incapaz de responder com eficácia, e diversos países estão cada vez mais inclinados a reagir unilateralmente.

Conflitos violentos e ataques terroristas

A primeira crise com que a Europa se confronta é a da violência dos conflitos geográficos, incluindo os da Síria, do Iraque e da Ucrânia. As implicações destes conflitos na União Europeia estão a resultar num número crescente de refugiados e nos recentes ataques que têm por toda a parte aterrorizado a Europa. Como resultado disso, devemos esperar que a União Europeia tentasse jogar um papel mais preponderante na resolução e até na prevenção destes conflitos. Isto devia ser conseguido através de contínuas e intensas iniciativas diplomáticas, e assegurando que a exportação de armas não alimentasse ainda mais os conflitos. Em vez disso, a União Europeia adotou uma actitude passiva. Olhando para o conflito na Ucrânia a UE revelou-se mais activa, mas falhou a prevenção de dificuldades que levaram a tensões entre a União e a Rússia. Esta situação ilustra as fraquezas da União Europeia no desenvolvimento de politicas estrangeiras coerentes ( através dos Serviços Europeus de Acção Externa).

Para além das guerras violentas, a Europa também tem sido assolada com a recente violência de ataques terroristas na Espanha, no Reino Unido, França, e Bélgica. Mesmo que provavelmente nunca seja possível erradicar o terrorismo, é muito claro que deve ser estabelecida uma cooperação fronteiriça entre os serviços secretos e os serviços policiais como um pré-requisito numa era de globalização. É também muito claro que estes desenvolvimentos desafiam profundamente a UE como uma organização que faz da construção da paz um dos seus valores fundamentais.

Migração

Actualmente um dos maiores desafios que enfrenta a UE, é como responder ao crescente número de refugiados, principalmente os que chegam aos países do sul de Europa, que são os que mais sofrem com a actual crise económica. Esta é uma consequência, mas não exclusivamente, dos conflitos violentos nas vizinhanças da Europa. Parece ser muito difícil encontrar uma resposta comum para este desafio. As leis internacionais requerem dos Estados Membro, que examinem um por um todos os pedidos de asilo no território da UE. Em vez de partilharem a responsabilidade e investir num Sistema Europeu Comum de Asilo, os Estado Membro culpam-se uns aos outros por criarem factos de fuga, como foi por exemplo o caso da Itália com o seu Programa de Operação de Procura e Resgate Mare Nostrum, ou o caso da Chanceler alemã Angela Merkel ao dar as boas-vindas a todos os refugiados. As propostas da Comissão Europeia para a partilha de responsabilidades na recepção de refugiados, mesmo sendo necessárias negociações, foram ignoradas por um número considerável de Estados Membro. Procurando reduzir o número de chegadas, a UE e a Turquia assinaram um acordo em 2016. Com este acordo, cada nova chegada irregular de migrantes que atravessavam da Turquia para a ilhas Gregas, seria reencaminhada para a Turquia, e cada Sírio que das Ilhas gregas regressasse à Turquia, outro Sírio seria acolhido na Turquia para a UE. Este acorde foi severamente criticado pelas Nações Unidas, pelas ONG´s nacionais e internacionais e pelas Igrejas por ser incompatível com a lei.

As Igrejas defenderam passagens seguras para a Europa – incluindo mais acolhimento de refugiados de países de primeiro asilo, como o Líbano, a Jordânia, a Turquia; assim como mais reunificações familiares generosas, vistos humanitários ou mesmo a suspensão da necessidade de vistos. Isto poderia – em combinação com melhores oportunidades legais para trabalhadores migrantes – reduzir drasticamente a perda de vidas humanas nas fronteiras da UE e contribuir para uma migração mais organizada. Propostas mais detalhadas forma elaboradas por organizações ecuménicas cristãs já em 2014. (3)

Quanto a Comissão Europeia propôs uma mudança na Regulação de Dublin, parecia haver pouca motivação em muitos Estados Membro para modificar estas mesma Regulação sublinhando que a requisição de pedido de asilo já estava proposta nos pedidos de entrada. Isto colocou um grande peso sobre os estados do sul que têm fronteiras com o Mediterrâneo, e que são os primeiros pontos de chegada de quem vem do Norte de Africa e do Médio Oriente.

Apesar da lei internacional exigir que a Europa ofereça protecção àqueles que dela têm necessidade e por isso garantir a possibilidade que todas as pessoas que cheguem à Europa possam pedir asilo, a adoção de por alguns países de impedimentos muito estritos pode tornar-se numa norma. A Europa enfrenta um colapso de valores. Temos assim por outro lado as obrigações morais e legais de oferta de protecção àqueles em necessidade, e por outro as tarefas políticas que asseguram deslocações organizadas e procedimentos para e dentro da UE. Com sentimentos de anti-emigração crescendo gradualmente, este colapso pode no futuro intensificar-se.

Esforços para encontrar respostas comuns conduziram a disputas e tensões dentro dos Estados Membro. O Acordo de Schengen, que permitem passaportes de deslocações livres através de grande parte da União Europeia e de outros países que se juntaram ao Acordo, como sendo um das mais visíveis manifestações da unidade Europeia, está neste momento sob grande pressão. O controlo fronteiriço já foi imposto unilateralmente em alguns Estados Membros. Apesar de toda a sua importância humana, económica, assim como simbólica, o futuro do Acordo de Schengen está colocado em causa. Enquanto isto é atribuído à contínua chegada de refugiados migrantes do Médio Oriente e do Norte de Africa, também podemos considerar que mostra um considerável grau de desconfiança entre os Estado Membro. Se os líderes da UE quiserem salvar o Acordo de Schengen, têm que demonstrar um grau de unidade política e de vontade que até agora tem faltado. Têm que estar de acordo nos procedimentos comuns, e promover a confiança entre os Estados Membros e auxiliarem-se uns aos outros.

Estamos numa situação presente de grande urgência. Fere desmesuradamente a alma da Europa repelir vítimas da violência e do terror através das armas de fogo instaladas nos postos fronteiriços, ou deixar pessoas afogarem-se no Mediterrâneo. A solidariedade com os refugiados é uma consequência da fé cristã e do nosso comprometimento para trabalhar em vista a uma sociedade mais justa e compassiva. (4) Por isso, a presente situação dos refugiados e migrantes é uam questão de grave preocupação para O CEI.

Desenvolvimentos económicos e crise do Euro

A terceira crise desta lista das atuais desgraças é a recessão económica desencadeada pelo colapso bancário que teve o seu início nos estados Unidos em 2008. Isto fez com que grandes áreas da U E mergulhassem numa semi-depressão com altos níveis de desemprego e finanças públicas insustentáveis, resultando daí medidas de austeridade que conduziram os povos a experiencias de extrema pobreza.

Para além de tudo a EU enfrenta uma crise económica que já se arrasta há mais de sete anos. As políticas diplomáticas demasiado arriscadas que caracterizaram as negociações com a Grécia durante o ano de 2015 são uma indicação da vulnerabilidade da Zona Euro. Em vez de unir os países da Zona Euro, o Euro está a causar tensões entre os países e não se prevê de momento uma solução permanente. Pelo contrário, a decisão da Grécia de aceitar um novo pacote de austeridade fez com que a Zona Euro se parecesse ainda mais com uma armadilha do que com uma perspectiva promissora para os membros desta Zona. Os Gregos enfrentam de momento um dilema muito sério: se a situação do seu país mostrar que “não há alternativa” se não obedecer às regras da união monetária, isso quer dizer que as escolhas democráticas para os eleitores são muito limitadas. Este não é um presságio, e não é uma situação sustentável. A Zona Euro definitivamente não pode sobreviver como meio-projecto – sem uma união económica monetária. Existe, então, um risco real de retorno a uma crise do Euro num futuro muito próximo. Isto poder voltar a intensificar as tensões entre a soberania democrática por um lado, e as politicas económicas e monetárias por outro lado. Será novamente também um desafio ao princípio de solidariedade entre os países da UE. 

O Eurocepticismo

Em alguns Estados Membro da UE, o Eurocepticismo é crescente. Em alguns países isto possibilitou o aparecimento de partidos políticos e grupos que lutam pela causa da saída dos seus países da União. Alguns Estados Membros (p.ex a Grécia, a Holanda e a Hungria) decidiram usar o referendo para consultar os cidadãos em relação à questões da União Europeia. O mais vasto de todos os referendos foi levado a cabo pelo governo do Reino Unido, e que se realiza a 23 de Junho de 2016, em que se levanta a questão se o Reino Unido deve ou não permanecer na União Europeia.

Uma das palavras chaves destes debates é soberania. Aqueles que argumentam que o seu país deve deixar a União, dizem que querem readquirir a soberania nacional, enquanto que os outros que querem permanecer na União defendem que mais soberania conduz a menos influencia nos assuntos Europeus e mundiais. O Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, defendeu em relação a esta questão um debate público muito profundo, em que os cristãos devem desempenhar o seu papel:

Como é que podemos revitalizar ideias como soberania e subsidiariedade – ideais formados fora da fé Cristã e cujas dimensões políticas adquirem o seu sentido apenas em parte – e ajudar a Inglaterra do futuro a encorajar a sua aproximação aos valores claramente baseados numa relação com a União Europeia; nisso incluindo, mas não se esgotando aí, numa perspectiva económica e política? Vamos tentar e tentar fazer…uma contribuição que auxilie este debate. (5)

O dilema entre soberania e a interdependência, provavelmente, será discutido dentro da UE ainda durante mais algum tempo. É muito claro que se um país coloca todo o seu peso na soberania e decide deixar a UE, isto pode colocar a União numa crise ainda maior.

Deficit democrático

Vários Estados Membro enfrentam uma emergente divisão entre as perspectivas das elites políticas, que são maioritariamente a favor (ou mais para além) da integração Europeia, e as perspectivas de um número cada vez maior de grupos sociais que perderam a confiança nas elites. Entendem-nas como tecnocratas e Eurocratas, que perderam a ligação com as realidades em que vive a maior parte do povo da Europa, e se alienaram dos ideais que motivaram os fundadores do projecto Europeu.

A distância entre os cidadãos e a acomodação do Estado não é um fenómeno confinado à UE e às suas instituições. Também se pode encontrar entre os Estados Membros individualmente, e mesmo fora da Europa. Em muitos Estados Membro estão a emergir pequenos grupos políticos que levantam a questão da legitimidade da elite governante, tantos nos seus próprios países, como mesmo no conjunto da União Europeia. A União Europeia está a perder o seu “appeal”. Para um grupo já bastante numeroso de cidadãos, a UE é vista como um poder distante que não pode ser influenciado e que já apenas se deixa conduzir pela sua própria dinâmica. Para além disso, a UE é vista como que infringindo a soberania nacional que diminui o poder dos cidadãos. Os políticos, que ao longo do tempo, têm acusado a UE de muitos dos problemas que não são da responsabilidade da União, têm contribuído para esta distanciação entre as instituições da UE e os cidadãos.

O processo crescente de distanciação entre os cidadãos da UE e as instituições da UE já acontece há alguns anos. É uma das razões pelas quais o Tratado de Lisboa (2007) deu uma maior proeminência ao papel do Parlamento Europeu na UE nos processos de decisão. Esperava-se que isto criasse nos votantes da UE um maior sentido de pertença. Ao mesmo tempo, o papel do Conselho Europeu era significativamente fortalecido, dando aos responsáveis dos Estados e dos Governos dos Estados Membros maior voz nos assuntos da União. Estes esforços reconheciam que a colaboração entre o nível da União e os seus diversos ramos estavam mais ligados. O desejo legítimo de subsidiariedade deve ser reconciliado com a necessidade de colaboração entre os estados soberanos. Isto ajudará a cultivar o sentido de pertença nos cidadãos da U E. A colaboração ao nível da U E deve ser limitada a assuntos e áreas de trabalho em que a cooperação deve ser absolutamente necessária para a promoção do bem comum.

As mudanças resultantes da adopção do Tratado de Lisboa, no entanto, não obtiveram os resultados desejados na criação de um maior sentido de confiança entre os cidadãos da UE. De facto, a União Europeia, originalmente um projecto visionário, enfrenta cada vez mais dúvidas e frustração. Entendendo o deficit democrático juntamente com as dificuldades económicas, isto conduz a uma situação em que mais e mais pessoas questionam a legitimidade da U E e das suas instituições.

VII - Estará a Europa a perder o seu apelo?

“ Onde não há visão, o povo perece. (Provérbios 29:18)”

Os múltiplos desafios que hoje a UE enfrenta conduzem a uma situação em que os objectivos e princípios fundamentais que já foram alcançados estejam sob ameaça. Estes incluem a moeda única, a abertura das fronteiras, o acesso aos sistemas de bem-estar disponíveis para os cidadãos da U E nos países em que vivem, e a UE como projecto de paz. A impressão com que ficamos é que estamos diante de uma UE caracterizada pela divisão, pelas lutas internas, e pela inabilidade para enquadrar respostas efectivas para os problemas comuns. Mais do que ser entendida como parte da solução, a UE é vista como parte do problema. Nunca antes na sua história as tensões e as divisões foram tão severas. Um colapso à escala global da União continua pouco provável mas certos desenvolvimentos e marginalizações na União Europeia fazem dar a ideia de isso pode ser uma possibilidade muito real.

Olhando à distância, a multiplicidade de crises faz parte de um horizonte mais alargado. Por exemplo, se criarmos uma união monetária sem estruturas de economia partilhada, políticas fiscais e sistemas legais, podemos arriscar um desastre. Da mesma forma que uma zona livre de passaportes, mas sem policiamento nem controle de fronteiras, não pode durar para sempre. O esquema emerge de uma UE que tem uma tendência inata para compromissos indecisos e construções ingénuas. Uma tal EU pode desmoronar,quando submetida a grande pressão.

A EU, com o os seus complexos sistemas de confirmação e equilíbrio, as suas regras de dupla votação acerca de determinadas legislações e de unanimidade noutras, não foi construída para lidar com a crise económica emergente e global. Foi originalmente desenhada para lidar com temas como tratados de negociação económica, implementação de políticas justas de competição, para atingir uma política de Agricultura Comum, e para a distribuição de fundos estruturais. No presente, a EU parece estar sobrecarregada pelos efeitos globais e regionais dos conflitos militares, pelas dificuldades praticas de coordenação, de macroeconomia politica e para reagir a emergências humanitárias mesmo dentro das suas próprias fonteiras. Acrescentamos a isto os recentes ataques terroristas em Paris, e na Bélgica, a guerra (fria) na Ucrânia, as filas de pessoas diante das cantinas em Atenas, o corpo morto de uma criança refugiada, banhada pelo mar da costa da Turquia, o desenvolvimento do anti-islamismo e dos sentimentos anti-imigrantes, uma vaga cada vez maior de desemprego jovem, e por isso podemos ver porquê é que a EU para muito tem perdido o sentido para muitos dos seus cidadãos, e porquê é que se têm tornado urgentes para tantos, e cada vez mais as renacionalizações as politicas e os apelos às soberanias.

A Europa de hoje é caracterizada pela sua falta de visão e de esperança, e pelos seus medos crescentes. Medo do desemprego, pelo pagamento cada vez menor de reformas de trabalho, pelas mudanças no clima, terrorismo, conflitos fronteiriços, migrantes e refugiados, perda de identidade e perda de cultura, tudo tem jogado um papel muito dominante na cada vez mais importante forma de pensar. Muitos vêm-se a si mesmos como sem poder e como vítimas de um processo sobre o qual já não detêm qualquer controle. A atual situação e estado mental representam uma ameaça aos valores que a EU construiu: a paz, a solidariedade, a unidade na diversidade, a democracia, a justiça, o lugar da lei, os direitos humanos, a liberdade de religião e a sustentabilidade ecológica. Se a EU esquecer os valores comuns nos quais está baseada, isso é muito perigoso. Por isso, não é não é exagerar muito considerar os atuais desafios fundamentais à cooperação Europeia como um momento de Kairos – um momento de verdade crucial – para o futuro da Europa.

VIII - A EU numa encruzilhada

O atual momento de Kairos e de crise também oferecem a possibilidade de escolher novos caminhos. A presente situação na EU é muito séria mas também oferece a oportunidade para re-imaginar a União. Neste contexto, é muito importante ouvir com cuidado as preocupações e lamentos de muitas pessoas acerca da EU. Não haverá futuro para a União, se não se levar em consideração a crescente perceção de que as politicas de crescimento comum na EU são difíceis de reconciliar com os desejos das soberanias nacionais. Se as pessoas não se convencem de que só desistindo de certos conceitos de soberania se podem então alcançar politicas mais efetivas nos confrontos com os grandes temas globais, então a EU não poderá sobreviver. Se as pessoas não se convencem de que num mundo cada vez mais globalizado os estados Europeus são demasiados pequenos para influenciar os desenvolvimentos com vista a um olhar económico, social e de sustentabilidade ecológica, e a sua responsabilidade na defesa dos direitos e dignidades humanas, então a EU presentemente como a conhecemos não tem futuro. Se não pode ser claramente demonstrado que, no seu total, as pessoas são melhores, do ponto de vista material e imaterial, fazendo parte de um todo como a EU, a União perderá a sua razão de ser. Se a EU não conseguir realçar a transparência no processo das suas decisões, a União continuará a ser vulnerável á acusação de ser pouco democrática. Se as pessoas na EU não sentirem que são consultadas ou que tem algum poder nas políticas comuns da EU, à União continuará a faltar a necessária atracão para as pessoas que dela fazem parte. Se as pessoas, realmente, não se sentirem detentoras da EU, em último caso vão desistir da União.

A presente crise oferece uma oportunidade para reajustar os mecanismos decisórios da Europa. Nem tudo tem que ser assumido por “Bruxelas”, mas o que aí é decidido tem que ser democraticamente legitimado. O que é importante, quer para a Europa quer para o nível nacional, é encontrar formas de ouvir o que as pessoas na realidade têm para dizer. Parece claro que independentemente da credibilidade politica, existe uma preocupação pública acerca do trabalho da EU. As pessoas não conseguem entender trabalho da UE, os votantes não se sentem consultados ou levados em consideração, e por isso os resultados sofrem vulnerabilidades e qualificados de inadequados. Transparência e ouvir os cidadãos são de importância crucial para o futuro da EU.

Outro tema importante é o do reconhecimento e do respeito pela diversidade. Ao longo da sua história, nunca houve uma Europa Cristã homogénea, e a Europa do futuro será sempre plural. No passado, o Islão ajudou a modelar a cultura, especialmente na Península Ibérica e em parte dos Balcãs, e nas últimas décadas vagas de emigrantes trouxeram para muitas partes da Europa o Islão e outras religiões. Simultaneamente, assistimos a um crescimento da secularização, especialmente no ocidente e em partes do norte da Europa. Enquanto outras partes da Europa se movimentam para uma grande unidade, a diversidade mantém-se como característica da identidade do continente. Esta diversidade de culturas, tradições e identidades religiosas deve ser respeitada, cultivada e até mesmo celebrada para que a EU possa ter futuro. A União como um “super estado” é, certamente num futuro previsível, irrealizável, se é que é desejável. No entanto, a Europa caracterizada através de, e baseada em múltiplas identidades, deve constituir uma boa base de desenvolvimento de politicas conjuntas e na direcção de temas comuns, e de forma que ninguém envolvido se sinta esquecido.

No interior da EU parece crescer o desencanto com as formas como nos anos recentes se tem lidado com o revivalismo das nacionalidades e dos sentimentos regionais, como possibilidades de contrabalanço. No entanto, fora das suas fronteiras o apelo de uma comunidade de paz, de relativa prosperidade, direitos humanos e o lugar da lei, são mais populares do que nunca. Parece haver um paradoxo popular: enquanto a UE perdeu importância para os seus cidadãos, os de fora sentem-se ansiosos por se juntar a ela. Desde os que protestaram na Maidan Square em Kiev em 2014 e que morreram sob rajadas usando fitas nos braços com as doze estrelas da União, até tantos refugiados que usaram barcos impróprios para atravessar o mar e alcançar as nossas costas e apostando na possibilidade de que apenas os seus mais queridos chagassem e eles mesmos já embrulhados em mortalhas, que outros permanecessem acampados ao frio e em condições sanitárias impróprias, em fronteiras do Tratado de Schengen (pelo menos temporariamente) encerradas. O nível de devoção, e de desespero para chegar à Europa ou de se juntar a ela, é muito elevado.

IX – Uma comunidade de valores e uma alma à procura de um projecto

Acreditai em mim; não venceremos numa Europa apenas 

baseada numa especialidade legal, ou numa capacidade económica. 

Se falharmos em dar à Europa uma alma…em

dar-lhe um espirito e um sentido, então falharemos.(6)

Jacques Delors

Em 1990, o então Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delores, sentiu que a Europa necessitava de uma alma. Desde esse tempo, as Igreja do continente refletiram no que é que isso poderia querer dizer, e de que forma elas poderiam contribuir para esta questão. Cerca de vinte e cinco anos depois, a declaração de Jacques Delors continua a ser de grande relevância. A Europa e especialmente a EU, enfrenta um número cada vez maior de crises que interagem e cada uma coloca desafios muitos sérios à União como “comunidade de valores”. Em conjunto, os valores sobre os quais a União está estabelecida – paz, solidariedade, igualdade, unidade na diversidade – podem ser uma parte da alma da Europa. O Tratado de Lisboa, assinado em 2007, também declara que a União Europeia é baseada em valores partilhados. As Igrejas membros da Conferência das Igrejas Europeias (CEC/KEK) sempre pensaram nesta questão como parte da sua missão na promoção dos valores acima mencionados no espaço público, tanto a nível Europeu como a nível nacional.

A CEC reconhece que muito tem sido feito, e deve continuar a ser, para melhorar o funcionamento da União Europeia, mas não consideramos que esta é uma ocasião para desconsiderar a cooperação Europeia, nem a coordenação e as politicas que a fazem. Estamos também convencidos de que a solução dos problemas da EU não está na desconstrução de pontes, nem no facto de nos escondermos por detrás das nossas fronteiras nacionais. A Europa já tentou isso no passado, com consequências desastrosas. Pelo contrário, a forma de seguirmos em frente é procurarmos formas para fazer com que a EU melhore o seu funcionamento na base dos valores que mencionamos acima. Uma comunidade não é baseada em leis nem em regulamentos, mas é também regulada por valores. No caso da União Europeia esses valores não são exclusivamente cristãos, mas são profundamente baseados na tradição Judaico-Cristã. 

A enfâse nos valores foi uma das razões pelas quais a CEC e um grande número de Igrejas na Europa valorizaram o Tratado de Lisboa. Partilha de visão, de objectivos e de valores que vão muito para além da esfera da economia são de importância substancial. A procura de valores Europeus comuns é realmente o caminho que conduz a objectivos que não podem ser alcançados meramente através do crescimento económico, pela crescente competição e reformas institucionais. Todos juntos estes valores adquiridos produzem entusiasmo, confiança, e visão ao projecto europeu. Simultaneamente podem trazer à União uma aproximação entre os cidadãos e a promoção de um sentido de identidade.

Uma outra forma de dar à União a possibilidade de aproximar os seus cidadãos, é através de uma vigorosa aplicação do conceito de “subsidiariedade”. Subsidiariedade – como forma de tomar decisões a níveis tão próximos quanto possível dos cidadãos – não é o contrário de solidariedade. Pelo contrário: subsidiariedade assenta na ideia de que cada nível institucional dentro da União deve fazer o seu melhor com base na solidariedade. Apenas essa forma de atuar pode realçar a prestação de contas e a sua legitimação; dois conceitos que, de acordo com muitos, hoje em dia estão em falta na EU.

X – O papel das Igrejas e da CEC/CEI na Europa

“O valor intrínseco de cada ser humano, como indivíduo, é de importância fundamental para as igrejas”

Na discussão sobre quais os valores que devem sustentar a sociedade em geral na Europa, as Igrejas devem exercer um certo grau de modéstia, tendo em atenção o papel ambíguo que a religião desempenhou na Europa nos últimos 2000 anos. Este papel não pode ser discutido em quaisquer dos seus detalhes aqui, mas deve-se conservar em mente algumas palavras-chave tais como: Cruzadas, guerras entre religiões e motivadas por elas, Inquisição, estruturas patriarcais, caça às bruxas, colonização, mercado esclavagista e escravatura, racismo e fascismo.

Ao mesmo tempo, não deve ser esquecido que as igrejas, no decurso da história, também desempenharam um papel positivo nas sociedades Europeias. Por exemplo, através dos ministérios pastoral e diaconal, estabelecendo e gerindo sistemas de saúde, hospitais, escolas e universidades. Em certas ocasiões, Igrejas e cristãos desempenharam igualmente um papel profético, tal como no caso da declaração da Confissão de Barmen em 1934 contra o nazismo e a sua tentativa de implementar o Führerprinzip (o principio do líder) na Igreja Protestante na Alemanha. Muitas vezes as Igrejas estiveram também na linha da frente da batalha contra o racismo e o militarismo, cuidando dos refugiados e dos que buscam asilo, na luta contra a pobreza e a exclusão, e, mais recentemente, na busca de sustentabilidade ecológica. O valor intrínseco de cada ser humano, como indivíduo, é de importância fundamental para as igrejas. Isto reflete uma compreensão do ser humano como criatura feita à imagem e semelhança de Deus, e como seu contraparte na criação (Génesis 1:27).

Pela sua própria experiencia, as Igrejas reconhecem as tensões e conflitos que podem acompanhar a diversidade. Nos seus melhores momentos, as Igrejas ultrapassaram esses conflitos porque o seu sentido de pertença foi mais forte do que a procura de separação. Nesses momentos, colocaram mais ênfase no que as unia do que no que as separava. É com base nesta experiência e convicção que as Igrejas unidas na Conferencia das Igrejas Europeias (CEC/KEK) ousam abordar assuntos relacionados com a unidade na diversidade no continente europeu. Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que essa Europa constrói a sua identidade em relação com outras partes do mundo. Nesta perspectiva, a cooperação das Igrejas no Conselho Mundial de Igrejas (WCC/CMI) e o desenvolvimento de relações com outras organizações ecuménicas regionais noutras partes do mundo são de imensa importância. 

XI – Fé em acção: diaconia e koinonia

Num período em que os valores Europeus, como a solidariedade e os direitos humanos estão sob ameaça, é importante que as Igrejas na Europa mostrem, pelas suas acções, como tais valores podem ser postos em prática. Declarações sobre temas como o futuro da Europa só podem ter credibilidade se as próprias Igrejas tentarem viver de acordo com os valores que elas promovem.

Desde os primórdios da Igreja, os Cristãos têm procurado atingir objectivos sociais através da diaconia (Ef. 6:7; Co.16:12-18; Fil.2:30). A diaconia é um atributo fundamental da Igreja e um motivo orientador para a sua missão. A Diaconia é baseada na comunicação e na participação, e orientada para uma sociedade mais alargada e para as estruturas económicas, políticas e culturais fundamentais que modelam a vida.

Uma função importante da Diaconia é trabalhar com e em favor daqueles que ela procura servir. Este seu papel implica identificar e desafiar injustiças a todos os níveis – local, nacional e internacionalmente; significa enfrentar as enormes disparidades de rendimentos e de riqueza que marcam a economia globalizada. Mas também significa advogar a causa daqueles que são excluídos por questões de raça, género, fé, capacidades ou idade; aponta para a necessidade de uma mudança generalizada de forma a que todos possam viver com dignidade. Diaconia é também um ministério e um dever de enfrentar todas as injustiças que cobrem um vasto território - desde o injusto uso da força, às injustiças contra a natureza e a Criação de Deus. Tal atividade remete-nos para os valores fundacionais da cultura moderna e repousa sobre a nossa crença fundamental na igualdade das pessoas perante Deus, e delas como criadas á imagem de Deus.”(8)

Na história da Igreja, a diaconia cristã (serviço cristão) sempre foi entendida como uma contribuição para a criação de uma comunidade (Koinonia) de solidariedade, no sentido de uma Koinonia de pessoas (1 João 1:7). É uma expressão da plenitude do corpo de Cristo. Numa perspectiva teológica, a diaconia é inseparável da koinonia. Uma Igreja local só se pode realizar inteiramente sendo uma comunidade que serve, uma igreja diaconal. Como realça o proeminente teólogo do Sec. XX Dietrich Bonhoeffer (1906-1945): “ A Igreja só é Igreja quando existe para os outros”.

A necessidade de um testemunho comum na sociedade civil tem ecoado em diversas ocasiões através do Bispo Presidente da Igreja Evangélica Alemã (EKD), Heinrich Bedford-Strohm. Ele afirma que "a teologia e o testemunho públicos, necessitam de muito atenção no nosso trabalho.” (9)

Este ponto de vista encontra o seu eco e o seu foco na Europa através do Arcebispo Michael, antigo metropolita da Áustria, que declarou que, em tempos críticos, as Igrejas são mais do que nunca chamadas a “projectar os seus valores numa sociedade alargada, e a exortar os políticos responsáveis para que respeitem a pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus. Nesse sentido, as Igrejas devem demonstrar, no seio da Europa, uma responsabilidade ecuménica, um testemunho cristão comum, um testemunho centrado na cruz.”(10)

XII – A Europa, uma casa Comum

A identidade Europeia sempre apresentou traços paradoxais. Por um lado, a história do nosso continente demonstrou um sentimento partilhado de pertença; por outro, é evidente que durante muitos séculos, o património partilhado se tem sempre manifestado numa razoável pluralidade de formas, culturas e línguas. 

As Igrejas membro da CEC provêm de diversas culturas e tradições. Pela experiência sabemos que pode ser difícil lidarmos com as diferenças. Simultaneamente, no entanto, sabemos que não devemos temer as diferenças, e que a “unidade na diversidade” pode ser uma fórmula de sucesso, se nos focarmos nas preocupações comuns, no respeito e no tesouro das diferentes identidades providenciado espaço para a diversidade e focando-nos naquilo que nos une.

O Conselho Europeu das Igrejas tem observado com preocupação que, na Europa de hoje, os valores que lhe são comuns estão cada vez menos em evidência. A EU hoje em dia está numa etapa da sua história em que estão a ser colocadas sérias questões acerca da sua identidade como comunidade de valores. A procura da sua alma coloca-se de novo e com uma intensidade cada vez maior. A Europa necessita mais do que um mercado comum, ela tem que incluir as questões da identidade e das relações sociais. Negligenciar a importância destas questões, ao longo dos anos, levou a Europa ao atual esvaziamento do seu coração, levado pela competitividade económica e pelo lucro, preparando estudantes e jovens profissionais com altos níveis científicos, mas esquecendo o objectivo principal que vai para além do sucesso e do lucro. A EU e a Europa como um todo necessitam mais uma vez de uma clara explanação sobre quais são as suas raízes e os seus objectivos. O desejo de mais soberania pode ser compreensível mas, no entendimento da CEC, a soberania não pode significar egoísmo e o fechar os olhos às legítimas necessidades de outros povos que devem ser objeto de solidariedade. Acima de, e para além da soberania, a CEC prefere a Koinonia como conceito que deve liderar o debate acerca do futuro da Europa. A Koinonia concentra-se em como podem ser criadas comunidades genuínas, baseadas na partilha, serviço e solidariedade. Mesmo em comunidades baseadas no conceito de Koinonia, os conflitos e as diferenças de interesses podem fazer parte do dia-a-dia. Se o espírito de Koinonia prevalecer, mesmo esses conflitos de interesse podem ser frutuosos, se assumidos de forma responsável. A diversidade politica e cultural na Europa não deve ser vista necessariamente como uma ameaça à sua unidade mas como um potencial tesouro e riqueza. A criação de uma Europa comum não deve ser baseada na expansão de um determinado estilo de vida, nem numa imposição de padrões de uma parte do continente a outra. “O processo de desenvolvimento de uma Europa comum é certamente o processo de desenvolvimento de um sentimento de comunidade europeia… Mais uma vez deve ser dada a devida importância, no contexto europeu, ao verdadeiro valor do conceito de “comunidade.” Uma característica natural de “comunidade”, é viver em solidariedade”. (11) “A noção bíblica de identidades múltiplas na forma como nos é apresentada por Paulo na Carta aos Romanos, é qualquer coisa que pode ser posteriormente desenvolvida especialmente nas condições do nosso continente.”(12) Uma cooperação europeia frutuosa só pode ter sucesso se baseada no diálogo, no entendimento mútuo, no respeito pela história e pela cultura de cada um dos povos e pela aprendizagem de uns com os outros. “ A EU e, na realidade toda a Europa, necessita de ser claramente reconhecida como uma comunidade de valores que devem modelar o seu perfil social e fornecer às gerações mais jovens melhores perspectivas de futuro. A Europa necessita de ser um continente de diversidades reconciliadas e que consegue enfrentar a sua responsabilidade universal.”(13)

Para a CEC, a escolha para o futuro da EU não é, por um lado, entre um sistema federalista, resultado de uma fusão, e, por outro, uma miscelânea de estados independentes escondidos por detrás das suas pontes levadiças. Cada assunto e cada política devem ser apreciadas pelo seu próprio mérito para que seja possível avaliar onde é necessário “mais Europa” ou “menos Europa.” O principal critério para semelhante avaliação é saber qual a politica mais eficiente para que se possa alcançar qualidade de vida na Europa, e no mundo em geral. Nesta visão abrangente, uma EU operando em diferentes velocidades é possível. Uma EU á la carte, com membros que continuamente optam por aceitar ou não políticas conjuntas, não é desejável, e tornar-se-ia impraticável. No entanto, é possível que um grupo que represente alguns Estados membros decida prosseguir integrando mais dessas políticas, enquanto que outros optem por não o acompanhar. Por exemplo, do nosso ponto de vista nem todos os Estados membros têm de concordar em assuntos políticos detalhados tais como políticas monetárias comuns. É, no entanto, crucial que decisões de política sejam baseadas em valores fundamentais que unem os países da EU. Esses valores não devem ser apenas aplicáveis à EU, mas estender-se à Europa como um todo. 

Para abordar os problemas que de momento pressionam a Europa e para responder a todos os desafios práticos, necessitamos de ter visão e empenhamento, e a cooperação de todas as forças disponíveis: quer do sector público quer do privado, dos políticos e da sociedade civil, e também das Igrejas e de outros movimentos motivados pela fé e pelas suas convicções. A cooperação e o diálogo são princípios fundamentais no que a isto diz respeito. Para que o nosso diálogo se torne mais do que um simples intercâmbio, os políticos da União Europeia, assim como o grande público foram recordados pelo Patriarca Ecuménico Bartolomeu, durante a sua visita ao parlamento europeu que “ deve existir uma mais profunda compreensão acerca da absoluta interdependência – não meramente de estados e atores políticos e económicos – mas a interdependência de cada ser humano com outros seres humanos.” (14)

Para a CEC é crucia lutar pela paz com justiça na Europa, quer como cidadãos quer como Igrejas. Só podemos atingir este objetivo quando unirmos as nossas forças. O processo de construção de políticas conjuntas baseadas em valores fundamentais partilhados, que tem sido promovido por muitas Igrejas e pelos seus membros deve continuar a servir este propósito: a gestão produtiva de relações entre nações interdependentes para benefício do bem comum na Europa e no mundo. As Igrejas na Europa, com a sua ampla base de membrasia e de estruturas ecuménicas, encontram-se numa boa posição para encorajar as pessoas a buscarem uma casa europeia comum tendo como seu fundamento valores comuns partilhados.

Em 1989 na primeira Assembleia Ecuménica Europeia, em Basileia, o conceito de “casa europeia comum” teve um papel importante. A Assembleia de Basileia estabeleceu para ela algo a que poderíamos chamar “regras da casa”:

- O princípio da igualdade para todos que nela vivem, sejam fortes ou fracos;

- O reconhecimento de valores tais como liberdade, justiça, tolerância, solidariedade e participação;

- Uma atitude positiva para com aderentes de religiões, culturas e mundivisões diferentes;

- O diálogo em vez da resolução dos conflitos através da violência.

A CEC crê que estas palavras são ainda muito relevantes para a situação na qual a Europa se encontra hoje. Continuam a inspirar-nos, como visão e como agenda urgente para os cidadãos e os políticos no nosso continente.

A Europa necessita de visão, assim como de um reconhecimento claro das nossas raízes. A União necessita de providenciar aos que nela vivem uma casa que oferece tanto lugar, como espaço. Para isso pode ser útil fazer uma distinção, proposta pelo antigo Presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy:

Um lugar – “ein Ort” – proporciona protecção, estabilidade e pertença. É uma “ein Heim”, onde as pessoas se sentem em casa. Por outro lado, um espaço, “ein Raum”, implica movimento e possibilidades. Trata-se de direcção, velocidade e tempo. Como seres humanos, necessitamos de ambos. Um espaço no qual possamos voar, e um ninho a que possamos chamar de nosso. Somos criaturas muito simples! Na Europa o foco tem sido sempre no espaço.”(15)

A União Europeia não poderá sobreviver como um farol de esperança se a lei do mercado for o único princípio orientador. Temos de readquirir o espirito que inspirou os seus pais fundadores – incluindo a reconciliação, o perdão, a solidariedade, a dignidade humana com igual respeito por todos. As múltiplas crises que a Europa está hoje em dia a enfrentar não são maiores do que aquelas sofridas após a Segunda Guerra Mundial, e, no entanto, interesses em competição parecem estar a paralisar uma resposta comum efectiva. Uma sociedade que não é uma comunidade irá desmoronar. Apelamos a todas as pessoas de boa-vontade, quaisquer que sejam os seus credos ou convicções, para que se juntem a nós na luta para ultrapassar diferenças insignificantes e para estarem disponíveis para colocar os melhores interesses do continente como um todo – tanto dos seus cidadãos de longa data como daqueles que chegam como novos residentes – acima dos interesses particulares, e assim proporcionar a todos a dignidade merecida a todos os humanos, nossos companheiros, criaturas feitas á imagem e semelhança de Deus.

XIII – O nosso apelo

Ao avaliar os desafios atuais que os povos da Europa neste momento enfrentam, no espírito da Charta Oecumenica e respondendo ao apelo a uma Peregrinação de Justiça e Paz do Conselho Mundial de Igrejas, o conselho directivo da CEC: 

- Envia esta carta aberta às Igrejas na Europa sobre a situação neste Continente, que pretende traçar a sua visão da Europa com respeito à União Europeia e partilhar as suas preocupações acerca do futuro deste projecto Europeu histórico nas presentes circunstâncias;

- Reafirma o seu entendimento acerca da EU como uma comunidade de valores que busca a dignidade humana, a paz, a reconciliação, a justiça, a importância da lei, a democracia, o respeito pelos direitos humanos, a solidariedade e a sustentabilidade;

- Encoraja as Igrejas membro da CEC, e todos os Cristãos na Europa, a intensificarem esforços para que virtudes cristãs como o respeito pelos outros, a solidariedade, a diaconia e a construção da comunidade, possam ter mais visibilidade na vida pública;

- Convoca as Igrejas na Europa para uma discussão intensiva acerca do futuro do nosso continente, do papel da União Europeia e a nossa visão de valores partilhados

Convida as Igrejas membros da CEC e organizações parceiras a reagir a esta carta; considerando as situações específicas nas diferentes partes do continente, convidamos as Igrejas a serem parte de um processo de consulta e de participação que nos levará até à próxima Assembleia da Conferência Europeia das Igrejas (CEC/KEK) em 2018. Gostaríamos muito de receber as vossas contribuições sublinhando as vossas experiências e preocupações específicas relativamente ao projecto Europeu. Gostaríamos também de receber a vossa reflexão acerca do papel das Igrejas neste momento histórico e na elaboração da visão da casa europeia, assim como as questões levantadas nestas discussões. As Igrejas podem também desejar articular as suas expectativas com respeito à CEC relativamente a estes assuntos até final de Dezembro de 2016.

Anexo – Os valores fundamentais da União Europeia

Artigo 2

A União é fundamentada nos valores do respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, no papel da lei e do respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas que pertencem a minorias. Estes valores são comuns aos Estados membros numa sociedade em que o pluralismo, a não-discriminação, a tolerância, a justiça; a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres prevalecem.

Artigo 3

1.O objectivo da União é promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos.

2.A União oferecerá aos seus cidadãos uma área de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, e na qual o livre movimento de pessoas é garantido, em conjunto com medidas apropriadas, com respeito ao controle das fronteiras externas, asilo, imigração e prevenção e combate ao crime.

3.A União…combaterá a exclusão social e discriminação, e promoverá a justiça social e a proteção de forma igual para com mulheres e homens, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos das crianças. Promoverá a coesão económica, social e territorial e a solidariedade entre os Estados membros. Respeitará a sua riqueza cultural e diversidade linguística, e assegurará que a herança cultural europeia será salvaguardada e realçada. 


5.Nas suas relações com o mundo em geral, a União apoiará e promoverá os seus valores e interesses e contribuirá para a proteção dos seus cidadãos. Contribuirá para a paz, a segurança, a sustentabilidade e desenvolvimento da Terra, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e justo, a irradicação da pobreza e a protecção do direitos humanos, em particular dos direitos das crianças, assim como da estrita observância e desenvolvimento das leis internacionais, incluindo o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas.

Tratado da União Europeia 

NOTAS

(1)Para ler o texto por inteiro, ver “Charta Oecumenica”, documento conjunto da CEE e da CCEE (Estrasburgo, 2001)

(2)É preciso ter em mente que as razões para que outros países europeus se juntassem à EU nem sempre têm coincidido com o objectivo dos 6 Estados membros na origem desta organização. Razões económicas tiveram um papel dominante crescente em rondas posteriores. Para elaboração mais detalhada da discussão, ver por exemplo “European Integrations – A way Forward?”, Comissão Igreja e Sociedade da CEE, 2009


(4)Declaração do Conselho da Igreja Evangélica Alemã (EKD) sobre a situação na Europa, Bruxelas 23 Abril 2016

(5)“Reimagining Europe, a joint initiative of Church of England and Church of Scotland” 

(6)“European Integration – A Way Forward?” Igrejas na Europa contribuindo para o future da Europa: quadro e questões, CSC da CEC, Bruxelas, 2009, 49

(7)Origem da palavra em grego, significando “serviço”

(8)European Integration – A Way Forward?” Comissão Igreja e Sociedade dea CEE, Bruxelas 2009

(9)Ver, por exemplo, o seu discurso na Consulta sobre a Peregrinação para a Justiça Climática que teve lugar na Academia Evangélica Villigst em Schwerte (Alemanha), 15 outubro 2015.

(10)Arcebispo Michael (1946-2011) antigo Metropolitano da Áustria, citado em “European Integrations – A Way Forward?”

(11)CEC/CSC: Igrejas no Processo de Integração Europeia, Bruxelas, Maio 2001 (14)

(12)Ibid.,15.

(13)Declaração da EKD sobre a situação na Europa, 23 abril 2016

(14)Patriarca Ecuménico Bartolomeu, Parlamento Europeu, Bruxelas, 24 setembro 2008

(15)Herman van Rompuy no seu discurso em 4 de Dezembro 2014 na ocasião do lançamento da nova sede da CEC em Bruxelas

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