quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Resoluções à la carte


Passam hoje três anos de uma das páginas mais negras do sistema financeiro português, a resolução do BES. E continuamos com mais perguntas do que respostas.
Tiago Freire
Tiago Freire 02 de agosto de 2017 às 23:00

Todo este tempo depois, é difícil considerar a medida um sucesso. 

Houve perdas extraordinárias para os accionistas (incluindo muitos milhares de pequenos investidores que nada tinham que ver com a família) e para detentores de dívida. Mais uma vez, o Estado abriu os cordões à bolsa e há-de receber o dinheiro a muito longo prazo. Os outros bancos foram chamados relutantemente ao barulho, trazendo para dentro de casa os problemas de outros. E o Novo Banco, a imaculada fénix que renascia das cinzas do BES, ainda não foi vendido e está dependente de os credores aceitarem perdas.

Apesar de tudo, o país resistiu. Com a troika às costas, um ajustamento brutal, a economia a afundar, o país resistiu. O sistema financeiro não colapsou e, depois de uma dura e longa travessia do deserto, está em recuperação. 


É fácil criticar, agora, as decisões de Carlos Costa, que aceitou dar o peito às balas em nome de um Governo ausente dos holofotes, mas presente nas decisões. O que parece evidente é que o BES, e o país, foi o canário na mina, a tropa avançada mandada à frente para ver quantos tiros conseguia aguentar. 

Desde então, temos visto de tudo um pouco, na banca europeia. Como explica um estudo analisado nesta edição do Negócios, resoluções há muitas. O sacrossanto modelo "bail-in", que vinha substituir o mal-amado "bail-out", tem várias matizes, consoante os bancos, o momento que a própria Europa atravessa e, naturalmente, os países que lidam com as autoridades europeias, e o peso e a vontade que têm para negociar caso a caso.

Um exemplo disto é a recente solução para a banca italiana, que em boa parte contraria tudo o que a Europa tem defendido para a intervenção em bancos problemáticos. E que mereceu de Bruxelas uma luz verde mal-amanhada e meia dúzia de explicações pseudotécnicas que não convencem ninguém.

Na verdade, ao contrário daquilo que tem sido afirmado nos últimos anos, não há uma única solução, mas várias. Lembram-se da penalização dos depósitos acima dos 100 mil euros, que viria a ser prática comum? Nunca aconteceu, nem acontecerá. 

Porque as regras, desenhadas no ar condicionado tecnocrata de Bruxelas e de Frankfurt, esquecem propositadamente a política, a posição de cada país. E o resultado é que essas regras só são aplicadas a sério aos fracos. Não é um bom princípio.

Num momento em que se clama pela conclusão da União Bancária - que tem por implementar coisas fundamentais como uma garantia de depósitos comum - talvez não fosse má ideia aperfeiçoá-la antes de prosseguir.

Fonte: Jornal de Negócios

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