quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A tentadora Autoeuropa

Celso  Filipe
Celso Filipe 30 de agosto de 2017 às 23:00
"Posso resistir a tudo menos à tentação." Esta é uma das muitas frases geniais de Oscar Wilde que ficaram para a posteridade e assenta como uma luva à greve na Autoeuropa. Os trabalhadores foram capazes de resistir a tudo, excepto à tentação de uma greve oportunística.

Todas as greves têm razões, mais ou menos plausíveis, e esta não foge à regra. Mas é oportunística por dois motivos. Um tem que ver com o fim de um ciclo sindicalista na fábrica de Palmela, que se materializou com a reforma do líder histórico dos trabalhadores, António Chora. O outro resulta de ter sido atribuído à Autoeuropa a construção de um novo modelo da Volkswagen, o T-Roc, que dá um enorme fôlego à empresa,  obriga a trabalhar aos sábados e forçara à contratação de mais pessoal para atingir as metas de produção previstas, que passam por fabricar 240 mil carros em 2018.

O facto de a Autoeuropa ter paralisado a produção ontem significa uma aparente identificação dos trabalhadores com os motivos invocados para a mesma. A anterior comissão de trabalhadores e a administração tinham chegado a acordo para o pagamento de mais 175 euros por mês pelo trabalho aos sábados, mas esta proposta acabou por ser chumbada em plenário e daí a greve. A primeira (exceptuando as greves gerais) nos 26 anos de existência da Autoeuropa.


Parece claro que esta greve de dois dias é uma forma de a CGTP tomar conta da Autoeuropa, após a saída de António Chora, afecto ao Bloco de Esquerda. Não é por acaso que o Bloco, geralmente apoiante de todas as greves, diz, através da voz de Catarina Martins, olhar com "enorme apreensão" para esta.

Mesmo que os trabalhadores consigam uma melhoria dos valores a pagar aos sábados (os lamentos por ter de trabalhar neste dia são estapafúrdios) é evidente que a relação de confiança entre a administração e os trabalhadores se deteriorou inexoravelmente e que este facto irá pesar, lá mais para a frente, quando os alemães tiverem de tomar decisões em situação adversa. E os putativos ganhos que poderão ser obtidos agora irão diluir-se no futuro. A politização da Autoeuropa é uma má notícia para a empresa e, por arrasto, para o país.

A tentação de exibir poder agora vai ser prejudicial no futuro. O primeiro passo neste sentido é o facto de a administração da Autoeuropa afirmar que só está disponível para voltar à mesa das negociações em Outubro, quando for eleita a nova comissão de trabalhadores. Abriu-se a caixa de Pandora, soltaram-se as tentações e a esperança ficou agarrada ao fundo.  

Fonte: Jornal de Negócios

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